terça-feira, 3 de janeiro de 2012

COISA VIVA, VIVA A COISA, A COISA QUE VIVE.

Living is easy with eyes closed
Misunderstanding all you see
It's getting hard to be someone
(Strawberry Fields Forever – The Beatles)



Dentro de mim mora uma coisa bem viva. Não que eu mesmo, separado da coisa, não esteja vivo, pelo contrário. Mas é que essa coisa é tão viva que merece ser mais do que eu mesmo. Talvez haja essa necessidade de ser habitado por uma coisa viva para que permaneça com as coisas de viver. E se não houvesse essa coisa dentro, vendo-me sozinho, seria capaz de imaginá-la com tanta força que de repente estaria ali, inventada. Vejo tão viva quanto enxergo crianças correndo: um coração latejando forte, um estômago trovejando alto. Leio livros difíceis, aprendo rituais complicados, como alimentos saudáveis e ouço músicas cultas com a única intenção de inteligentiá-la. Vez ou outra acendo uma vela para que me venha compreensão daquilo que não aceito e espero que ela não me veja assim, descrente e frágil. Porque a mantenho presa, do contrário, se liberto ela me engole. E não quero ser a coisa viva dentro doutra vivíssima. Nenhum dos dois seria beneficiado. Se vivo dentro dela, sou um câncer. E não quero fazer mal a ninguém, mesmo mantendo presa acredito estar lhe protegendo dos outros. Não quero fazer mal a ninguém e sempre faço; Queria poder dizer o quanto é bom senti-la o tempo todo, inclusive agora, inclusive aqui. E poder confessar que é bom sentir essa coisa viva dentro de mim e o quanto ela me faz feliz, apenas existindo e me fazendo existir. Mas é que quando ela lateja – e lateja, lateja, lateja o tempo todo - sinto como um se líquido dançasse, escorresse por dentro querendo saída. Queria poder dizer que sentir essa coisa viva é tão bonito que me dá vontade de cantar o tempo todo, mas se canto é pra me esquecer do gosto do líquido do seu latejar; Inclusive, já pensei em deixá-la minguar até desaparecer. Só que voltaria a ser aquilo que não lembro que fui antes da coisa me latejar pela primeira vez, e voltando a ser aquilo, talvez uma outra a coisa nascesse sendo o que esta já foi: um nó. Um nó no peito, um nó na garganta, um nó no estômago. Que num repente ganhou vida me dando nós, e também me estruturou através dos nós. Se o desato, temo por desconstruir a fundação que nos sustenta. E tenho carregado essa coisa desde que me lembro de ter criado consciência. Desistir dela significaria deixar pra trás tudo aquilo que tenho sido e não tenho forças para me reiniciar, mesmo se possível desistiria; Fico pensando se essa coisa viva resolve de fato viver, por enquanto apenas existe dentro de mim. Passaríamos a ser duas coisas vivendo se co-habitando. Seria possível mantermos nossa harmonia sendo duas coisas vivendo no espaço onde apenas é possível se ter uma? Provável que sucumbiria a vivência dessa coisa, que por merecimento é maior do que eu, só que ela não sabe. A criatura ultrapassou o criador e não sabe. Se descobre, desando. Um apocalipse de coisas vivas, uma seleção de vida onde não tenho chance e nem vontade alguma de vencer; Viver com ela é o que me tem estruturado, viver sem ela me daria duas opções: voltar a ser o que nem lembro que fui ou passar a existir dentro da sua própria vivência; Dentro de mim mora uma coisa latejante bem viva, que me emaranhou em nós e me sustenta para que fosse possível a vivência – nem tão harmônica – de ambos, e essa coisa bem viva está espirrando um líquido amargo, que não sei se cuspo, mastigo ou engulo.

Diley Rodrigues.

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